Rage 2 e o terreno baldio da adolescência perdida
O jogo de tiro Rage 2, principal lançamento da Bethesda no primeiro semestre de 2019, traz um tiroteio excelente em um mundo aberto que poderia ser melhor, mas garante boas horas de diversão.
Ficha técnica:
Id Software/Avalanche Studios | FPS | PC, PS4, Xbox One
Jogado no Xbox One X
Preços por plataforma (edição padrão)
PC (Steam): R$ 199,00
PS4 (PS Store): R$ 229,90
Xbox One (Xbox Game Store): R$ 199,00
Seu maior feito é passar longe dos trailers super acelerados da sua campanha de divulgação, com ritmo de videoclipe e toda aquela adolescência radical forçada que não permitia entender nada do que realmente esperava pelo jogador.
Daqueles trailers, sobrou a estética meio punk, meio “Mad Max new age”, os nomes maravilhosos dos personagens, muitos galões de tinta rosa choque e as skins alternativas super coloridas para suas armas.
O game em si tem um ritmo muito mais agradável e compreensível, ainda que a exploração das terras desoladas (sejam elas desertos rochosos, pântanos ou florestas) possa ser meio cansativa se você está esperando alguma interação muito além do combo pé na porta/tiro na cara (ou é tiro na porta e pé na cara?).
Rage 2 não é um RPG sofisticado com escolhas complexas, é um jogo de tiro do estúdio de Doom enfiado em um mundo aberto do mesmo estúdio que fez Mad Max (um jogo que merece a sua atenção, mas falamos mais disso em outra oportunidade) e traz tudo o que esses estúdios fazem de melhor.
Mundo aberto poderia ser melhor explorado
No game, você controla o Ranger Walker (ou a Ranger Walker, dá para escolher o gênero da personagem nos momentos iniciais) e precisa enfrentar a Autoridade, o grupo com pretensões tirânicas que é o principal inimigo da série e agora tenta controlar os assentamentos do mundo pós-meteoro através de uma combinação de engenharia e mutações genéticas.
O mundo de Rage é a Terra após a colisão de um enorme meteoro, onde a humanidade foi mais ou menos salva sendo enviada em naves criogênicas para o espaço para retornar ao planeta quando fosse seguro. Na prática, essas Arcas e os enormes Eco-Pods, caíram na superfície quando seus sistemas pifaram. Pelo que é explicado no começo do game, Walker é parte da primeira geração de filhos dos sobreviventes das Arcas, ou seja, pessoas com DNA livre de mutações provocadas pela radiação e sabe-se lá mais.
A Avalanche tira proveito dessa ambientação espalhando Arcas, meteoros e outros segredos caídos do espaço pelos biomas devastados do jogo. Procurar por elas e recuperar seus tesouros não só é o principal passatempo de Rage 2, como também é essencial para conseguir armas e poderes avançados para Walker.
Rola um excesso de árvores de habilidades, projetos, evoluções das armas e do veículo Phoenix, mas diverte com a forma que as novas armas e poderes do Ranger são liberados através da exploração livre do mundo de jogo.
Apesar de você ser livre para gastar seus pontos para melhorar as habilidades na ordem que desejar, bem antes do fim do game você já terá quase todas as capacidades do seu Ranger elevadas ao máximo – o que vai fazer você sentir que Walker praticamente é um super-herói.
Pilotar pelas estradas de Rage 2 é tão bom quanto em Mad Max, embora o único veículo realmente divertido seja o Phoenix. Outros carros estão lá só para garantir um fluxo constante de peças, explosões e estimular o impulso colecionista do jogador. Alguns poucos veículos trazem funcionalidades extras, como o horroroso helicóptero Icarus e as motocicletas, que são tão empolgantes quanto difíceis de controlar em alta velocidade.
O mundo de Rage 2 não é mais do que uma vastidão empoeirada (ou alagada, em algumas regiões) e esse é o principal ponto fraco do jogo, com grandes territórios que estão lá apenas para ligar os pontos de interesse realmente importantes, como as cidades e as missões principais, as arenas da Mutant Bash TV e as pistas de corrida.
Esse enorme terreno baldio é pontuado por bandos de bandidos e mutantes lutando sem motivo aparente além de servirem de alvo para você praticar pontaria – ou nem isso, com a mira automática das armas do Phoenix – e uma enorme quantidade de tarefas secundárias, que quase invariavelmente envolvem estourar inimigos, sejam eles mutantes, membros de gangues, soldados ou mesmo gigantes.
Combate acelerado e divertido
É nos combates que Rage 2 brilha mais forte, como não poderia deixar de ser em um game da iD Software. Mesmo sem as execuções viscerais de Doom, o jogo traz uma grande variedade de armas e movimentos especiais que aliadas ao design dos mapas dos acampamentos, quartéis, postos de abastecimento e cavernas inimigas, garante uma experiência extremamente satisfatória do começo ao fim do game.
O único ponto fraco dos combates de Rage 2, para mim, é o uso bastante limitado que o jogo dá às tirolesas, tão frequentes no primeiro game. Com os saltos duplos e outras habilidades de Walker, as tradicionais ziplines acabaram ficando de lado e diminuindo a exploração vertical durante os tiroteios.
Muito da exploração das áreas onde rolam os combates se dá depois que a poeira abaixa e o último bandido tomba no chão. É quando você vai perambular pelos cantos, subir em telhados e procurar por salas escondidas em busca dos baús com recursos, tablets colecionáveis ou simplesmente por “lixo” (como o jogo classifica todo objeto cujo único valor é ser trocado por dinheiro com os vendedores e, portanto, não serve para pipocar nenhum adversário).
Você pode liberar habilidades que ativam um radar na tela indicando a proximidade desses itens, o que facilita um pouco a vida, mas não remove por completo aquela sensação de “por que diabos estou fazendo isso mesmo?” quando você está circulando pela décima vez por uma fortaleza vazia, em busca de uma caixa ou tablet. A resposta, claro, é “porque você não quer engolir o orgulho e deixar aquela área sem o símbolo de ‘check’ no mapa. Rage 2 é o inferno para complecionistas.
Adolescência perdida
Entre os muitos esquisitões com quem você interage em Rage 2, tem um que se destaca e na minha opinião, resume muito do verdadeiro tema do jogo: o bufão Klegg Clayton, uma espécie de John Cena mais velho, barrigudo e decadente.
Campeão dos eletrizantes circuitos de corrida e das arenas da Mutant Bash TV, Clayton vive das glórias do passado, se vangloria dos feitos de quando era o campeão, se veste como um garotão dos anos 1990 e age como se tivesse 15 ou 16 anos de idade – e não os mais de 40 que estão estampados em sua cara.
Assim como Clayton, Rage 2 se agarra a uma adolescência que já passou, no caso, a da própria iD Software, que marcou época no começo dos anos 1990 com Wolfenstein 3D, Doom e Quake, em uma das sagas mais rock’n’roll da história dos games, antes de passar boa parte dos anos seguintes meio jogada de lado, até voltar com tudo em 2015 com o sanguinário “novo” Doom.
Rage 2 tenta ser punk e abusado, piadista de um jeito meio forçado, como só um tiozão de meia idade querendo ser jovem e radical consegue ser. Quer ser hardcore, mas já passou da idade para isso – ou será que ser hardcore hoje é datado e esquisito? Vou deixar essa pergunta para os filósofos.
Mas diferente de Clayton, Rage 2 sabe disso e não tenta negar sua pretensão, apenas aceitar que é um game divertido para quem quer relaxar e dar uns tiros, explodir soldados em armaduras cibernéticas e mutantes gigantes, acelerar por pistas de corrida ao som de bandas punk bubblegum e embarcar numa viagem bem rápida através do terreno baldio de uma adolescência que já passou a muito tempo, mas com aquela certeza de que não precisa provar que está certo, nem pedir desculpas por ser apenas isso.
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