Dicas para mestrar RPG para novos jogadores

Mestrar RPG para um grupo sem experiência anterior com o jogo é divertido mas traz desafios próprios. Confira dicas para mestrar RPG para novos jogadores.

No último fim de semana, me reuni com amigos ao redor da mesa para jogar RPG, como faço regularmente, mas dessa vez, a maior parte do grupo estava tendo o primeiro contato com o jogo. Foi uma experiência bem sucedida mas com desafios próprios. Pensando nisso, decidi escrever um post com dicas para mestrar RPG para novos jogadores.

Muitas dessas dicas valem para qualquer grupo de jogo, seja novo ou antigo, formado por veteranos ou jogadores inexperientes. Espero que sejam úteis também para Mestres de primeira viagem.

Acima de tudo, vale sempre manter a calma e se divertir. Lembre-se que todo mundo foi inexperiente algum dia, inclusive você.

Escolha um jogo com o qual você, GM, está familiarizado

Para esse novo grupo, decidi usar o Pathfinder, sistema que conheço bem e que tenho jogado regularmente nos últimos 10 anos. Conhecer bem o jogo escolhido é fundamental para você introduzir os conceitos e mecânicas de forma simples para os novos jogadores.

Mestrar RPG para um grupo sem experiência anterior com o jogo é divertido mas traz desafios próprios. Confira dicas para mestrar RPG para novos jogadores.
Pathfinder é um RPG de fantasia bem tradicional e que eu jogo com frequência, então para mim foi a escolha natural. (Reprodução/Paizo)

Nada deixa um grupo iniciante mais desmotivado e confuso se o Mestre não tem certeza do que está fazendo. E acredite, eles vão ter perguntas e dúvidas que você nem imagina, por parecerem coisas óbvias para quem joga a muito tempo.

Separe um dia para a criação dos personagens

Jogadores iniciantes não vão chegar para a sessão de jogo com suas fichas de personagens prontas só porque você informou o cenário e o nível inicial dos aventureiros. É preciso sentar com eles e auxiliar no passo a passo da criação dos seus primeiros heróis.

Uma alternativa, muito comum em convenções e eventos, é o Mestre ter alguns heróis prontos, e distribuir as fichas conforme o interesse de cada jogador. Porém, se você dispõe de tempo, ajudar eles a criarem seus próprios heróis é muito mais recompensador.

Ao criar um aventureiro do zero, o jogador vai aprender mais sobre para que servem os principais elementos da ficha de personagem e o básico sobre como o jogo funciona. Também vai sentir que suas escolhas fazem diferença, seja na distribuição dos atributos básicos ou na escolha do equipamento inicial.

São elementos simples que muitos veteranos selecionam sem nem pensar, mas para quem está começando, essas escolhas têm um apelo maior do que você imagina.

Entre as dicas para mestrar RPG para novos jogadores que testei nessa sessão foi mudar a ordem de preenchimento da ficha de personagem para o sistema apresentado no Pathfinder 2E, o recém-lançado jogo da Paizo:

Ao invés de começar pela compra (ou rolagem) dos atributos e seus modificadores, optei por faze-los escolher Raça e Classe dos aventureiros. Assim, os jogadores começam a criar uma imagem mental dos seus heróis e isso ajuda MUITO na hora de priorizar algum atributo, além de facilitar o preenchimento com modificadores vindos das raças selecionadas.

Quanto menos eles precisarem ir e voltar ao longo do processo de criação, melhor!

Use exemplos da cultura pop

Na hora de explicar conceitos como raças, classes, alinhamentos (ou clãs, tribos, tradições… você entendeu) traçar paralelos com a cultura pop é sempre uma ótima maneira de exemplificar e se fazer compreender.

Nem todo mundo vai saber o que é um Halfling, mas se você disser que é como um hobbit de O Senhor dos Anéis, pronto, resolvido.

Ninguém é obrigado a conhecer as diferentes raças de Dungeons & Dragons, mas todo mundo assistiu O Senhor dos Anéis. Use e abuse de comparações do jogo com filmes, séries e animações populares. Nunca falha. (Reprodução)

Nessa linha, gosto de explicar os Feiticeiros num primeiro momento não como uma “classe de usuário de magia que não precisa estudar grimórios mas recebe seus poderes por uma herança mística em sua linhagem” e sim como “pense nos X-Men. Eles nasceram com super poderes, não precisaram estudar para isso ou passar por experiências como alguns dos Vingadores. Os feiticeiros são os X-Men do mundo de D&D”.

Por falar em Vingadores, os heróis e vilões do Universo Cinemático Marvel são perfeitos para explicar os diferentes Alinhamentos de Dungeons & Dragons e similares. Você pode dizer que “O Capitão América é Lawfull Good, o Loki é Caothic Evil, Starlord é Caothic Good…” e assim por diante.

Claro que depois, será preciso aprofundar os detalhes da coisa toda, mas para passar um conceito geral, é um método bastante eficaz.

KISS: Keep it Simple, Stupid!

O método KISS é usado em processos de trabalho e funciona lindamente na hora de introduzir novos jogadores ao RPG de mesa. “Mantenha isso Simples, Estúpido!” é uma regra de ouro para essas situações.

Para esse novo grupo de Pathfinder, por exemplo, permiti apenas o uso de raças, classes, magias e talentos do livro básico de Pathfinder, mesmo para a única jogadora veterana. O Core Rulebook é um livro gigantesco e já intimida bastante quem está começando.

Chegar na mesa de jogo com 10 suplementos adicionais, cada um com mais de 200 páginas, capa dura e regras extras só vai assustar os novatos.

A jogadora que optou por ser uma Wizard, por exemplo, já tinha que escolher entre dezenas de magias para sua lista inicial – e isso que ela tinha acesso a todos os cantrips (truques simples de nível 0) e seis magias de 1º nível. Não tem porque apresentar todas as outras possibilidades do Ultimate Magic, Advanced Players ou outros suplementos nesse momento.

Se possível, use aventuras prontas

Quando comecei a rascunhar essas dicas para mestrar RPG, eu pensei muito em escrever sobre o dilema de usar aventuras prontas ou criar uma totalmente original.

É sempre uma questão a ser considerada, seja na hora de mestrar para um grupo iniciante ou para aqueles jogadores calejados de tanto rolar D20s.

Cada uma das opções tem seus méritos e desvantagens, mas, acredito eu, se você tem acesso a uma boa aventura pronta da sua editora favorita – como a que acompanha a maioria dos módulos básicos de RPG – é sempre uma boa alternativa.

Essas aventuras são desenhadas para jogadores de primeira viagem, com personagens de nível inicial e trazem um pouco de cada um dos elementos essenciais do jogo. São perfeitas para introduzir as mecânicas do jogo.

Aventuras prontas também são fáceis de estudar e preparar para a sessão de jogo. Você pode até fazer anotações e alterações de antemão, pois o trabalho pesado já foi feito pelos designers do jogo.

Uma boa aventura pronta facilita a vida do Mestre do Jogo e apresenta bem o clima do jogo através dos cenários e criaturas pitorescas – como os Goblins “vida loka” de Golarion, presença marcante em Rise of the Runelords (Reprodução/Paizo)

Para esse grupo, eu optei pela clássica Rise of the Runelords, da Paizo. Uns anos atrás eu comecei a mestrar essa campanha para outro grupo, mas as coisas não funcionaram muito bem por inexperiência minha e por excesso de jogadores – essa é uma história para outro post.

Antes da primeira sessão eu reli os detalhes sobre a cidade onde a aventura começa, Sandpoint, provavelmente o ponto de partida de 90% dos aventureiros em Golarion, o mundo de Pathfinder. Também dei uma boa lida nos primeiros capítulos, seus encontros, criaturas (Goblins! Muitos goblins!) e momentos-chave.

Com essas informações em mente, foi mais fácil dar sugestões e conselhos para os jogadores no processo de tomada de decisão sobre seus personagens. Não é legal deixar o grupo no escuro e um jogador novato vai se sentir decepcionado se tiver investido pontos demais em habilidades que pareçam meio inúteis.

Converse com o grupo e criem um background juntos

Uma das melhores dicas para mestrar RPG para novos jogadores é mostrar a eles que a criação da aventura é uma experiência coletiva. O Mestre traz conflitos, apresenta as masmorras e desafios, mas os jogadores também colaboram com suas próprias ideias.

Essa é uma das maiores diferenças do RPG de mesa e outros jogos, como videogames ou jogos de tabuleiro, e o charme da narração colaborativa é inegável, então dê um gosto disso aos jogadores logo no começo!

Uma maneira de fazer isso é bater um papo com eles para apresentarem os personagens que criaram uns para os outros e bolarem uma história sobre “como eles se tornaram um grupo”.

Personagens básicos desempenham papéis fáceis de entender na hora de jogar. E para quem nunca jogou uma campanha de RPG antes, podem ser tão fascinantes e divertidos quanto as criações mais exóticas dos jogadores veteranos! (Reprodução)

Muitas vezes o GM prefere jogar o primeiro encontro do grupo na primeira sessão de jogo e não tem nada de errado nisso, mas lembre-se que a ideia aqui é manter as coisas simples!

Na aventura que estou mestrando, os jogadores usaram o background individual que criaram para cada personagem para costurar uma história simples sobre a formação do grupo e o resultado ficou coeso o bastante para o jogo funcionar.

“Quando a Maga Elfa Fox ainda era uma estudante, ela passava metade do dia no balcão da joalheria dos pais (a jogadora tinha escolhido a perícia Craft [Jóias] e usou isso para explicar essa escolhas), quando um dia a Anã Rogue Gimba (criação da única jogadora experiente do grupo) entrou pela porta vendendo umas antiguidades que a Elfa identificou como itens mágicos! Gimba reconheceu que contar com a ajuda de alguém entendido de magia poderia ser útil em suas “empreitadas comerciais” e, para o desespero da família de Fox, as duas deixaram a cidade grande para trás e começaram a se aventurar juntas pela Lost Coast.

Depois de lidar com bandos de goblins e outros bandidos, a dupla se estabeleceu em Sandpoint, onde se juntaram ao jovem Guerreiro Hanzo, humano bom de briga mas um tanto ingênuo (Sabedoria 9), filho de fazendeiros locais que adicionou músculos e uma espada ao conjunto de habilidades dos aventureiros iniciantes, que estão começando a construir uma reputação como Caçadores de Tesouros (ou de Encrencas, dependendo de para quem você pergunta)”.

Jogue uma sessão de “Tutorial”

Ok, eu decidi que a campanha que vamos jogar é Rise of the Runelords, mas ao invés de já começar o jogo no dia do Festival e colocar os novos aventureiros no meio da ação, optei por antes, jogar uma sessão mais curta que servisse como um tutorial de videogame.

Criei uma história super simples mas já inserindo o grupo no cenário da campanha, coisa que foi fácil pelo background que criamos coletivamente e por já ter uma boa noção do que viria a rolar na aventura seguinte.

Basicamente, o grupo foi recrutado por um dos bares de Sandpoint para investigar o sumiço de uma carroça com uma encomenda de barris de cerveja. A entrega está atrasada e o Festival está próximo, nossos heróis precisam de dinheiro, então vamos lá descobrir o que aconteceu.

Nessa primeira sessão, use um pouco de narração, algumas situações sociais de puro roleplay, testes de habilidade e uma sessão de combate. Assim você vai apresentar as mecânicas básicas de cada tipo de evento mais comum.

Pause a ação para explicar o funcionamento do jogo, como é montado o resultado de cada teste, tirar dúvidas dos jogadores. É um tutorial e o ritmo deve ser bem pausado, para que da próxima vez, todos saibam o básico e a aventura role com tranquilidade.

O primeiro encontro de combate, por exemplo, deve ter inimigos fáceis (ninguém quer uma TPK na primeiríssima sessão!) mas em uma situação que permita demonstrar movimentação, posicionamento, ataque de oportunidade, uso de magias e algumas manobras ou poderes únicos dos personagens dos jogadores.

Sugira ações interessantes

Uma das coisas mais legais do RPG é a liberdade total de ação que os jogadores desfrutam. Ao contrário de um videogame, você pode fazer qualquer coisa que quiser, mas veja bem, liberdade demais pode deixar os jogadores confusos.

Não é a toa que jogos como Mago: A Ascensão, com seu sistema de magias extremamente aberto, flexível e dependente da imaginação do jogador, não são tão recomendados para iniciantes.

É comum ver jogadores novatos congelarem na hora de decidir uma ação, repetindo mentalmente a pergunta feita nos anos 1990 pelos sábios do Só Para Contrariar: “O que eu vou fazer com essa tal liberdade?”

Nessas dicas de como mestrar RPG, vou falar um pouco sobre como evitar essa confusão inicial sem tirar a liberdade dos aventureiros.

Mesmo um game de mundo aberto como Skyrim não permite que o jogador faça QUALQUER COISA que der na telha. No quesito liberdade, o RPG de mesa é campeão. (Reprodução)

Não diga apenas “O que você faz agora?” ao apresentar uma situação, mas sugira possíveis ações para o jogador, diante do desafio apresentado.

É uma boa forma de apresentar sistemas do RPG e do jogador conhecer e entender melhor o que suas habilidades e poderes permitem realizar – mas sempre que um deles sugerir algo diferente, escute e estimule. Pensar fora da caixa é uma das maiores diversões para quem joga RPG. Estimule esse comportamento!

Em alguns casos, você pode pedir para que o jogador faça um teste de algum conhecimento ou habilidade específica para só então apresentar uma sugestão de ação. Assim, quando estiver em dúvida no futuro, o jogador vai pedir para fazer um teste desses para decidir o que fazer.

Por exemplo, quando o meu grupo encontrou o bando de goblins que roubou os barris de cerveja, chequei as magias que a maga tinha memorizado e pedi a ela que fizesse um teste de Conhecimento (Arcana). A dificuldade não era das maiores, ela passou e soube que com sua magia de Sleep ela poderia colocar os 3 goblins a sua frente para dormir.

Se possível, use miniaturas e outros acessórios

Um dos meus recursos mais úteis na hora de mestrar uma aventura de RPG é o uso de miniaturas, tabuleiros quadriculados e outros itens que tornam a experiência mais lúdica e visual. Isso funciona com jogadores veteranos e mais ainda, com aventureiros de primeira viagem.

Deixe que escolham o boneco que querem usar, “não precisa ser igual ao seu personagem, mas um que você ache parecido com a ideia que tem do herói” e use sempre esse mesmo boneco para aquele jogador.

Miniaturas e outros adereços são muito úteis para envolver os novos jogadores no aspecto mais lúdico do RPG, além de facilitar a vida em jogos com mecânicas de combate minuciosas (Reprodução/Paizo)

Eu tenho algumas caixas de miniaturas de papel e bases de plástico, oficiais da Paizo, que são muito úteis nessas horas, por representar diversos tipos de personagem e também para os monstros, com seus diferentes tamanhos.

Somado ao papel quadriculado, as miniaturas permitem que os jogadores visualizem o campo de batalha e facilitam a explicação das distâncias, movimentos, raios de ação de magias e outros itens com efeito de área.

E sim, elas deixam os jogadores iniciantes super envolvidos. Deixar a sessão com mais cara de jogo é uma das melhores dicas para mestrar RPG para novos jogadores.

Tenha um jogador veterano como suporte

Você não precisa fazer tudo sozinho! Essa é uma daquelas dicas para mestrar RPG que valem tanto para lidar com novos jogadores quanto com seu grupo de veteranos.

Nesse caso, se você puder, chame um jogador mais experiente para participar da aventura, seja como um membro permanente do grupo ou só para aquela sessão inicial.

Ele não está lá para liderar o grupo, mas para ajudar na imersão e com explicações em todas as etapas da aventura. Para esse jogador, isso pode até ser um bom treinamento para, no futuro, mestrar suas próprias aventuras.

Na nossa aventura, enquanto dois dos jogadores eram totalmente inexperientes, o terceiro joga comigo a muitos e muitos anos – no caso, é a minha esposa e companheira de aventuras, Janaína.

É importante lembrar que se o veterano for participar da campanha como membro regular do grupo, todas as restrições estabelecidas (só usar conteúdo do módulo básico, por exemplo) valem para ele também.

Seria injusto e confuso permitir que um jogador tivesse acesso a classes exóticas, raças incomuns e magias que ninguém mais conhece, só porque “ele já sabe jogar”. E acredite, um veterano criativo consegue bolar personagens bastante originais.

O personagem da Jana, por exemplo, é uma Anã Rogue, a Gimba. Ela poderia ter escolhido uma Humana ou uma Halfling, duas raças que funcionam muito bem com a classe Rogue (os ladinos clássicos da fantasia medieval) mas optou por uma Anã, criada na cidade grande e com habilidades (e treinamento marcial) típico da classe, o que gerou uma Rogue mais barra pesada, diferente do típico herói sorrateiro, mas que faz bom uso das características raciais na hora de explorar ruínas em busca de tesouros “perdidos” por seus antigos habitantes.

É um personagem que não destoa do restante do grupo em termos de poderes e habilidades, mas que permite a veterana se divertir e experimentar uma abordagem nova para uma classe com a qual está acostumada a jogar.

Espero que essas dicas para mestrar RPG para novos jogadores tenham ajudado! Vou continuar trazendo textos sobre o desenrolar da campanha e de como aplicar essas ideias no seu próprio jogo!

Pablo Raphael produz conteúdo sobre jogos e cultura nerd/geek desde quando isso não era tão legal assim. Fã de RPG de mesa, live games, quadrinhos independentes e cerveja artesanal.

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