Por que Borderlands deixou o visual realista para trás

Borderlands é uma franquia de games de tiro que se destaca facilmente entre tantos outros títulos pela mistura de FPS e RPG, a diversidade de armas e pelo traço estilizado e pela aplicação de filtros cel-shading, que dão aquela aparência de desenho animado. Saiba por que Borderlands deixou o visul realista para trás e tudo o que mudou no jogo com essa decisão.

Quando foi apresentado ao público pela primeira vez, Borderlands era um jogo de tiro bastante promissor, com elementos cooperativos e o conceito de “Halo misturado com Diablo” que hoje a gente conhece como “looter shooter”.

O visual, porém, era bem diferente da série que todos conhecemos, com um estilo realista, cinzento e parecido com tantos jogos do começo da geração PS3/Xbox 360. Isso mudou na reta final do desenvolvimento e pegou muita gente de surpresa.

Faltando um ano para o lançamento e com 2/3 do game pronto, Borderlands passaria por uma grande reforma, não só estética, mas também nas mecânicas de jogo. Foi uma decisão arriscada para a Gearbox, ainda mais com o envolvimento da publisher 2K Games.

Em 2009, Borderlands deixou o visual realista para trás e ficou conhecida pelo visual estilizado. A mistura de FPS e RPG definiu o gênero looter shooter.
Borderlands seguia de perto a estética dos jogos de tiro futuristas e apocalípticos. Mas em 2008, isso estava para mudar. (Divulgação/Gearbox)

O time de Borderlands tinha muito trabalho pela frente. Mas vamos dar uma olhada em como foi que o jogo Gearbox chegou até ali.

Tiroteio e RPG se misturam

A Gearbox Software começou a trabalhar em Borderlands em meados de 2005. O conceito original era simples: “Halo misturado com Diablo”. Um game de tiro cooperativo com “loot saindo por todos os orifícios”, disse o diretor criativo Mikey Neumann, em um painel na GDC 2010.

Nessa fase conceitual, a Gearbox cogitou fazer de Borderlands um RPG, mas decidiu por pesar mais para o lado dos jogos de tiro.

A produtora também experimentou conceitos visuais diferentes: um estilo mais limpo de ficção científica (similar ao de Mass Effect), um estilo mais machão brucutu (parecido com Gears of War) e uma terceira opção, com design de anime inspirado em Ghost in the Shell.

Duas coisas que preciso apontar aqui:
1. Era o começo de 2005 e a Gearbox ainda não sabia que cara Mass Effect e Gears of War teriam.
2. Alguém precisa fazer esse jogo com cara de Ghost in the Shell. Sério.

Por fim, certos conceitos, como “retrô”, “cinzento”, “realista” e “mecânico” acabaram definindo muita da identidade visual de Borderlands, ao menos durante o que Neumann chama de “a fase Marrom” do jogo, os primeiros três anos do desenvolvimento.

Em 2009, Borderlands deixou o visual realista para trás e ficou conhecida pelo visual estilizado. A mistura de FPS e RPG definiu o gênero looter shooter.
Borderlands foi capa da Game Informer. Na reportagem dá para ver bem a diferença nos personagens: dos Vault Hunters, só Mordecai era parecido com a versão final. (Reprodução/Game Informer)

Quando Borderlands foi mostrado ao público pela primeira vez em 2007, na Games Convention de Liepzig, na Alemanha. Até então, a Gearbox era conhecida pela série de tiro Brothers in Arms, ambientados na Segunda Guerra e bem distantes do “Mad Max alienígena” da nova franquia.

Na real, o jogo que a imprensa viu em 2007 era bem diferente do que chegou às lojas. Mas essa história fica para um próximo post. Podem cobrar.

Recepção positiva e comparações

A recepção inicial foi bastante positiva. Sites como Gamespot apontaram a combinação das missões de tiro em primeira pessoa “típicas de shooters de ficção científica” com os trechos em veículos nos amplos mapas de Pandora, assim como a enorme variedade de armas (meio milhão!) como os pontos fortes do novo game.

Mas havia um problema: Borderlands era, assim como vários jogos desenvolvidos com a Unreal Engine 3 naquela época, sério demais, cinzento e marrom demais. Em testes internos, a Gearbox percebeu que visualmente, o jogo lembrava MUITO o recente sucesso da Bethesda Software, Fallout 3.

https://youtu.be/BakS1TcIKuk
Esse foi o primeiro trailer de Borderlands.

Pior ainda, os jogadores do grupo de teste traçavam semelhanças entre Borderlands e outro game em desenvolvimento, Rage, da Id Software. Isso incomodou o time da Gearbox. Ambos os estúdios ficam em Austin, Texas, e a Id tinha um nome com muito peso na indústria. Era o estúdio de Doom.

“Não queríamos ser considerados o primo pobre de Rage”, contou Brian Martel, co-fundador da Gearbox, naquele mesmo painel da GC em 2010.

É divertido notar como o mundo da voltas e ver que Rage 2 se inspira no visual colorido de Borderlands.

O Conceito da Vaca Roxa

As mecânicas de jogo eram diferentes de seus concorrentes diretos, mas a real é que se você olha-se para ele rapidamente, não teria como saber disso. Para resolver a questão, a Gearbox adotou um conceito de marketing popularizado pelo autor Seth Godin, o conceito da Vaca Roxa.

Explicando de forma simples, a ideia de Godin é que se você estivesse dirigindo seu carro pela zona rural, vendo aquelas fazendas ensolaradas e campos cheios de vacas, acharia tudo muito lindo por alguns quilômetros.

Só que em pouco tempo todas aquelas vacas pareceriam iguais e acabariam se misturando numa cena meio sem graça e nem um pouco memorável. Mas se no meio disso, você enxergasse uma única vaca roxa, de repente ela chamaria sua atenção e se tornaria o destaque da viagem.

Em 2009, Borderlands deixou o visual realista para trás e ficou conhecida pelo visual estilizado. A mistura de FPS e RPG definiu o gênero looter shooter.
O robô Claptrap nasceu quase por acidente, e acabou se tornando uma mascote adorada pelos fãs. Seu senso de humor é parte essencial de Borderlands (Reprodução)

A Gearbox tinha as artes conceituais originais de Borderlands e eram bem mais coloridas e estilizadas, com uma pegada parecida com o que o jogo final se tornaria. Com elas e a Vaca Roxa na cabeça, Martel desenvolveu um protótipo secreto.

Ele e os outros executivos queriam ter algo para mostrar para a equipe e evitar um tumulto. Aquele time tinha trabalhado durante 3 anos no jogo, que estava 75% pronto! Era bom ter algo para mostrar antes de decidir por uma mudança de rumo tão drástica.

Mudanças radicais aos 45 do segundo tempo

Martel apresentou o protótipo para o time da Gearbox e para a 2K Games. Quase todo mundo curtiu. Os executivos curtiram, os desenvolvedores ficaram super empolgados. A diretora de arte original não.

Aquela mudança iria jogar fora praticamente todo seu trabalho dos 3 anos anteriores. Ela ficou tão decepcionada que saiu da Gearbox e depois abandonou a indústria de games.

Com a aprovação da 2K, a Gearbox precisou não só refazer toda a estética do game, mas acrescentar e modificar diversas mecânicas, para acompanhar a nova direção de arte.

Essa foi a primeira imagem divulgada de Borderlands com o novo visual. Ela fazia parte de uma reportagem da PC Gamer e acabou vazando pouco antes do artigo ser publicado, o que fez o hype sobre o jogo crescer bastante (Divulgação/Gearbox)

Habilidades sem graça foram removidas e outras mais fantásticas implementadas para combinar com a nova direção, como os tiros curativos da skill tree Medic, que deixam o Comando mais parecido com um “healer” de RPG e permitem disparar contra os aliados para curá-los.

Para salvar tempo (eles tinham só um ano para lançar o jogo), a produtora reutilizou tecnologias de Brothers in Arms: Hell’s Highway e fixaram a lua no céu para ter uma única fonte de luz que gerava sombras no cenário – e tiveram que escrever algumas linhas de “lore” adicionais para explicar essa lua estacionária.

E, claro, alguns elementos permaneceram os mesmos por baixo da tinta do cell-shading, como os veículos Runners e o bandido Psycho, tão icônico para a série que virou um personagem jogável extra em Borderlands 2.

Começo de uma franquia de sucesso

Borderlands ficou pronto a tempo e foi um sucesso e deu o pontapé inicial em uma franquia com jogos para PC, PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One e PS Vita, colecionáveis e até uma linha de HQs.

Não é só tiroteio: a série ganhou um adventure point & click, Tales from the Borderlands, desenvolvido pela Telltale, a mesma de The Walking Dead (Divulgação/TT Games)
Não é só tiroteio: a série ganhou um adventure point & click, Tales from the Borderlands, desenvolvido pela Telltale, a mesma de The Walking Dead (Divulgação/TT Games)

Mais do que isso, Borderlands deu início a um novo e popular gênero de jogo: os “looter shooters”, como The Division e Destiny, tomam emprestados muito dos conceitos do game da Gearbox.

O próximo game da série, Borderlands 3, sai em 13 de setembro de 2019 para PC, PlayStation 4 e Xbox One.

Pablo Raphael produz conteúdo sobre jogos e cultura nerd/geek desde quando isso não era tão legal assim. Fã de RPG de mesa, live games, quadrinhos independentes e cerveja artesanal.

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