Por que Borderlands deixou o visual realista para trás
Borderlands é uma franquia de games de tiro que se destaca facilmente entre tantos outros títulos pela mistura de FPS e RPG, a diversidade de armas e pelo traço estilizado e pela aplicação de filtros cel-shading, que dão aquela aparência de desenho animado. Saiba por que Borderlands deixou o visul realista para trás e tudo o que mudou no jogo com essa decisão.
Quando foi apresentado ao público pela primeira vez, Borderlands era um jogo de tiro bastante promissor, com elementos cooperativos e o conceito de “Halo misturado com Diablo” que hoje a gente conhece como “looter shooter”.
O visual, porém, era bem diferente da série que todos conhecemos, com um estilo realista, cinzento e parecido com tantos jogos do começo da geração PS3/Xbox 360. Isso mudou na reta final do desenvolvimento e pegou muita gente de surpresa.
Faltando um ano para o lançamento e com 2/3 do game pronto, Borderlands passaria por uma grande reforma, não só estética, mas também nas mecânicas de jogo. Foi uma decisão arriscada para a Gearbox, ainda mais com o envolvimento da publisher 2K Games.
O time de Borderlands tinha muito trabalho pela frente. Mas vamos dar uma olhada em como foi que o jogo Gearbox chegou até ali.
Tiroteio e RPG se misturam
A Gearbox Software começou a trabalhar em Borderlands em meados de 2005. O conceito original era simples: “Halo misturado com Diablo”. Um game de tiro cooperativo com “loot saindo por todos os orifícios”, disse o diretor criativo Mikey Neumann, em um painel na GDC 2010.
Nessa fase conceitual, a Gearbox cogitou fazer de Borderlands um RPG, mas decidiu por pesar mais para o lado dos jogos de tiro.
A produtora também experimentou conceitos visuais diferentes: um estilo mais limpo de ficção científica (similar ao de Mass Effect), um estilo mais machão brucutu (parecido com Gears of War) e uma terceira opção, com design de anime inspirado em Ghost in the Shell.
Duas coisas que preciso apontar aqui:
1. Era o começo de 2005 e a Gearbox ainda não sabia que cara Mass Effect e Gears of War teriam.
2. Alguém precisa fazer esse jogo com cara de Ghost in the Shell. Sério.
Por fim, certos conceitos, como “retrô”, “cinzento”, “realista” e “mecânico” acabaram definindo muita da identidade visual de Borderlands, ao menos durante o que Neumann chama de “a fase Marrom” do jogo, os primeiros três anos do desenvolvimento.
Quando Borderlands foi mostrado ao público pela primeira vez em 2007, na Games Convention de Liepzig, na Alemanha. Até então, a Gearbox era conhecida pela série de tiro Brothers in Arms, ambientados na Segunda Guerra e bem distantes do “Mad Max alienígena” da nova franquia.
Na real, o jogo que a imprensa viu em 2007 era bem diferente do que chegou às lojas. Mas essa história fica para um próximo post. Podem cobrar.
Recepção positiva e comparações
A recepção inicial foi bastante positiva. Sites como Gamespot apontaram a combinação das missões de tiro em primeira pessoa “típicas de shooters de ficção científica” com os trechos em veículos nos amplos mapas de Pandora, assim como a enorme variedade de armas (meio milhão!) como os pontos fortes do novo game.
Mas havia um problema: Borderlands era, assim como vários jogos desenvolvidos com a Unreal Engine 3 naquela época, sério demais, cinzento e marrom demais. Em testes internos, a Gearbox percebeu que visualmente, o jogo lembrava MUITO o recente sucesso da Bethesda Software, Fallout 3.
Pior ainda, os jogadores do grupo de teste traçavam semelhanças entre Borderlands e outro game em desenvolvimento, Rage, da Id Software. Isso incomodou o time da Gearbox. Ambos os estúdios ficam em Austin, Texas, e a Id tinha um nome com muito peso na indústria. Era o estúdio de Doom.
“Não queríamos ser considerados o primo pobre de Rage”, contou Brian Martel, co-fundador da Gearbox, naquele mesmo painel da GC em 2010.
É divertido notar como o mundo da voltas e ver que Rage 2 se inspira no visual colorido de Borderlands.
O Conceito da Vaca Roxa
As mecânicas de jogo eram diferentes de seus concorrentes diretos, mas a real é que se você olha-se para ele rapidamente, não teria como saber disso. Para resolver a questão, a Gearbox adotou um conceito de marketing popularizado pelo autor Seth Godin, o conceito da Vaca Roxa.
Explicando de forma simples, a ideia de Godin é que se você estivesse dirigindo seu carro pela zona rural, vendo aquelas fazendas ensolaradas e campos cheios de vacas, acharia tudo muito lindo por alguns quilômetros.
Só que em pouco tempo todas aquelas vacas pareceriam iguais e acabariam se misturando numa cena meio sem graça e nem um pouco memorável. Mas se no meio disso, você enxergasse uma única vaca roxa, de repente ela chamaria sua atenção e se tornaria o destaque da viagem.
A Gearbox tinha as artes conceituais originais de Borderlands e eram bem mais coloridas e estilizadas, com uma pegada parecida com o que o jogo final se tornaria. Com elas e a Vaca Roxa na cabeça, Martel desenvolveu um protótipo secreto.
Ele e os outros executivos queriam ter algo para mostrar para a equipe e evitar um tumulto. Aquele time tinha trabalhado durante 3 anos no jogo, que estava 75% pronto! Era bom ter algo para mostrar antes de decidir por uma mudança de rumo tão drástica.
Mudanças radicais aos 45 do segundo tempo
Martel apresentou o protótipo para o time da Gearbox e para a 2K Games. Quase todo mundo curtiu. Os executivos curtiram, os desenvolvedores ficaram super empolgados. A diretora de arte original não.
Aquela mudança iria jogar fora praticamente todo seu trabalho dos 3 anos anteriores. Ela ficou tão decepcionada que saiu da Gearbox e depois abandonou a indústria de games.
Com a aprovação da 2K, a Gearbox precisou não só refazer toda a estética do game, mas acrescentar e modificar diversas mecânicas, para acompanhar a nova direção de arte.
Habilidades sem graça foram removidas e outras mais fantásticas implementadas para combinar com a nova direção, como os tiros curativos da skill tree Medic, que deixam o Comando mais parecido com um “healer” de RPG e permitem disparar contra os aliados para curá-los.
Para salvar tempo (eles tinham só um ano para lançar o jogo), a produtora reutilizou tecnologias de Brothers in Arms: Hell’s Highway e fixaram a lua no céu para ter uma única fonte de luz que gerava sombras no cenário – e tiveram que escrever algumas linhas de “lore” adicionais para explicar essa lua estacionária.
E, claro, alguns elementos permaneceram os mesmos por baixo da tinta do cell-shading, como os veículos Runners e o bandido Psycho, tão icônico para a série que virou um personagem jogável extra em Borderlands 2.
Começo de uma franquia de sucesso
Borderlands ficou pronto a tempo e foi um sucesso e deu o pontapé inicial em uma franquia com jogos para PC, PS3, PS4, Xbox 360, Xbox One e PS Vita, colecionáveis e até uma linha de HQs.
Mais do que isso, Borderlands deu início a um novo e popular gênero de jogo: os “looter shooters”, como The Division e Destiny, tomam emprestados muito dos conceitos do game da Gearbox.
O próximo game da série, Borderlands 3, sai em 13 de setembro de 2019 para PC, PlayStation 4 e Xbox One.
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