Too Human no Xbox One e por que isso importa

A Microsoft anunciou, em sua livestream Inside Xbox, os últimos jogos retrocompatíveis que chegarão ao Xbox One. Entre eles, o RPG Too Human foi lançado de graça. Já aviso: o game não é lá essas coisas, mas essa notícia representa um final feliz e inesperado numa história cheia de reviravoltas.

Saiba porque a chegada de Too Human no Xbox One importa e conheça a história do jogo exclusivo mais controverso da Microsoft.

Criação do estúdio Silicon Knights, comandado pelo game designer Denis Dyack, Too Human é provavelmente o único jogo que foi anunciado como um lançamento exclusivo para as três principais fabricantes de console.

A trama gira em torno do conflito entre homem e máquina. Você controla o deus nórdico Baldur, protetor da Humanidade e que, ao contrário dos outros Aesir, se recusa a aprimorar seu corpo com implantes cibernéticos. Por causa disso, os outros deuses consideram Baldur como “muito humano”, daí o título do jogo, Too Human.

Asgard é o hub central de Too Human e mistura elementos mitológicos com uma estética futurista cheia de luzinhas e transparências.
Asgard é o hub central de Too Human e mistura elementos mitológicos com uma estética futurista cheia de luzinhas e transparências. (Reprodução)

Três consoles, um jogo e muita história

A primeira encarnação de Too Human foi como um título multi-disco para PlayStation. Ocupando 4 CDs, o game seria capaz de rivalizar com Final Fantasy VII. Com lançamento previsto para o ano 2000, o jogo era uma aventura de ficção científica bem diferente do RPG nórdico futurista que chegou ao Xbox 360 muitos anos depois.

Too Human teria 4 discos e muitas cenas em FMV no PlayStation

No ano seguinte, a Silicon Knights assinou um contrato de exclusividade com a Nintendo. Dois jogos de Game Cube muito bacanas são frutos dessa parceria: Eternal Darkness: Sanity’s Requiem e Metal Gear Solid: The Twin Snakes. O desenvolvimento de Too Human, agora exclusivo para Game Cube, ficou em segundo plano.

A qualidade dos jogos da Silicon Knights para Game Cube devem ter sido responsáveis pela Microsoft crescer o olho e adquirir o estúdio em 2005. Too Human estava de volta no mapa, agora como um RPG de ação feito com a promissora Unreal Engine 3.

O game era um dos títulos exclusivos do Xbox 360, o primeiro console da sétima geração, seria o primeiro de uma trilogia e prometia revolucionar os RPGs de ação com uma jogabilidade inovadora. O lançamento seria no final de 2006, prometia na época uma confiante Microsoft.

Trailer de Too Human exibido pela Microsoft na E3 2007

O desenvolvimento atrasou e uma demo de Too Human foi liberada na Xbox Live em Julho de 2008 e foi um sucesso! A crítica especializada curtiu e cobriu o jogo de elogios, muita gente baixou e jogou a demo. Na primeira semana, a demo de Too Human registrava mais horas de jogo do que GTA IV, lançado para o console um mês antes.

Lançamento decepcionante

Tudo mudou quando Too Human foi lançado pouco tempo depois. O game chegou ao Xbox 360 em 19 de agosto de 2008 e foi detonado pela crítica na época. Muitas das promessas feitas durante o desenvolvimento não estavam presentes, como o suporte para partidas coop com 4 jogadores, o conteúdo end-game e, na real, Too Human era um jogo bastante quebrado.

Too Human tem um sistema de combate curioso, você usa o analógico direito para golpear os inimigos. Seria legal se funcionasse direito. A movimentação é dura e truncada. Os gráficos não são nem de longe tão impressionantes quanto outros games feitos na Unreal Engine 3 na época, como Gears of War, da Epic.

Essa animação é legal da primeira vez. Na prática, ela faz às vezes de um loading entre a morte e o retorno de Baldur ao jogo.
Essa animação é legal da primeira vez. Na prática, ela faz às vezes de um loading entre a morte e o retorno de Baldur ao jogo. (Reprodução)

O que ficou marcado na minha memória foi a animação da Valquíria pousando no campo de batalha toda vez que seu personagem morria e era ressuscitado. Trinta segundos de animação. Impossível de pular. Imagine.

Para ilustrar o quanto era ruim: um colega estava jogando para escrever o review na EGM Brasil me procurar para saber se “melhorava depois das primeiras horas”. Ele tinha encarado umas 10 horas de Too Human. Eu poderia ter falado para continuar, mas não sou tão malvado assim.

No Metacritic, a nota do jogo ficou em 65 de 100. É bom notar que as análises da época eram bastante generosas e raramente um jogo medíocre ficava abaixo de 70.

Vítima do hype criado pelas promessas do diretor Denis Dyack, Too Human vendeu pouco e teve suas sequencias canceladas.
Vítima do hype criado pelas promessas do diretor Denis Dyack, Too Human vendeu pouco e teve suas sequencias canceladas (Reprodução)

Disputas judiciais e Game Over

O que aconteceu com aquele jogo revolucionário? Como aquela demo tão legal resultou em um game tão meia boca? Com 700 mil cópias vendidas e o projeto de uma trilogia engavetado, era de se imaginar que nunca saberíamos o que aconteceu nos bastidores da produção de Too Human.

Teria tudo ficado por isso mesmo, se Denis Dyack não decidisse lavar a roupa suja em público, ou melhor, no tribunal.

Um pouco antes do lançamento, a Silicon Knights processou a Epic Games. Segundo o diretor Denis Dyack, a dona da Unreal Engine 3, não teria dado o devido suporte ao projeto e direcionado seus esforços para Gears of War, chamado pela produtora como um “concorrente direto” de Too Human.

O tiro saiu pela culatra quando a Silicon Knights encerrou a relação com a Epic Games, removendo todas as referências à Epic e ao motor gráfico do jogo, além de não pagar pelo licenciamento da Unreal Engine 3. Isso resultou num processo da Epic contra o estúdio de Too Human.

A Silicon Knights não foi a única produtora a se queixar de concorrência desleal e falta de suporte da Epic Games nos primeiros meses da Unreal Engine 3.
A Silicon Knights não foi a única produtora a se queixar de concorrência desleal e falta de suporte da Epic Games nos primeiros meses da Unreal Engine 3. Na foto, a versão remasterizada de Gears of War, lançado originalmente para X360 em 2005 e garoto-propaganda do versátil motor gráfico que dominou a sétima geração.

Uma corte federal nos EUA decidiu que Too Human representava uma quebra de direitos autorais por parte da Silicon Knights, pois boa parte do jogo era feito com a Unreal Engine 3. Um juiz ordenou que todos os discos sobressalentes de Too Human fossem destruídos. E em 2013, a versão digital foi removida da Xbox Live. TENSO.

Em 2014, após lançar o tenebroso X-men: Destiny, a Silicon Knights fechou as portas. Game Over, Dyack.

Denis Dyack eventualmente abriu um novo estúdio, a Precursor, e tentou a sorte com um ambicioso jogo para PC e Wii U, Shadows of Eternal. O game seria bancado via Kickstarter, mas não conseguiu arrecadar a verba necessária e acabou cancelado.

De graça até injeção na testa

E agora, contra todas as adversidades, Too Human retorna como um dos derradeiros jogos retrocompatíveis no Xbox One. E de graça!

Para tornar isso possível, a Microsoft procurou a Epic, que autorizou o relançamento do jogo em formato digital no Xbox One.

O site norte-americano Polygon entrou em contato com a Microsoft, que falou o seguinte sobre o relançamento:

Os jogadores são nossa prioridade. Com o programa de retrocompatibilidade, assim como tudo que fazemos no Xbox, nós sempre ouvimos o feedback dos jogadores e trabalhamos para trazer os games que eles querem para o Xbox. Esse é só um dos muitos exemplos dessa filosofia virando realidade.

Too Human está longe de ser uma experiência memorável, mas está disponível de graça. Você deveria baixar e jogar, nem que seja pelo registro histórico do final de uma saga que durou quase 20 anos.

Você jogou Too Human na época em que o game saiu para Xbox 360? Pretende jogar agora no Xbox One? Compartilhe sua experiência abaixo, nos comentários!

Pablo Raphael produz conteúdo sobre jogos e cultura nerd/geek desde quando isso não era tão legal assim. Fã de RPG de mesa, live games, quadrinhos independentes e cerveja artesanal.

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